No apagar das luzes
A alegoria da caverna de Platão ensina que a verdade pode estar além daquilo que podemos ver, mas que aqueles que não a buscarem permanecerão sob as trevas, iludidos e tomados pelo medo do desconhecido, para alguns, liberta-se da escuridão é o suficiente, mas há quem, mesmo arriscando perder tudo, imbui-se de um dever maior. O de levar luz às trevas ou, ainda mais difícil, conduzir aqueles que estão envoltos pelo temor à área externa da caverna, libertando, não apenas a sua alma, mas tantas outras quanto puder salvar.
Aquele que, mesmo arriscando a vida movido pela compaixão, decide voltar à caverna para despertar os outros prisioneiros, pode ser uma metáfora para apresentar um indivíduos que, uma vez ciente da verdade, assume o pesado fardo de convencer os que estão em estado de cegueira, da existência de muito mais do que acreditavam ser todo o mundo. Infelizmente, ao tentar chamar para a luz os prisioneiros, libertando-os das amarras, ter-se-á como adversário todo aquele que tira vantagem da cegueira dos cativos, logo, quando os prisioneiros serve a alguém, não será tão simples tentar trazê-los para fora da caverna, haja vista que, ao experimentarem a liberdade, deixarão de servir seus aprisionadores.
Tentar soltar os cativos é uma ameaça direta aos senhores daqueles aos quais tamanha compaixão se direciona, levar luz aos escravos das trevas é uma declaração de guerra aos que se alimentam da condição daqueles que não podem enxergar, como libertar escravos é uma afronta aos senhores de escravos. Portanto, qualquer um que tente tirar os prisioneiros da caverna estará se afirmando como opositor àqueles que outrora conduziram e acorrentaram os cativos.
Recentemente, a ditadura cubana suspendeu o fornecimento de energia por diversas horas, submetendo os cidadãos daquele país insular a mais uma moléstia resultante do socialismo, sendo alegado o mau funcionamento de algumas usinas de energia, devido à ausência de manutenção, e a inoperância de outras em razão da falta de combustível. Ambos os apontamentos nos levam a uma reflexão simples, pois, se por um lado, o sucateamento de algumas usinas é espantoso, em se tratando de um país que alega ter abundância de engenheiros, o que, salvo se o tão exaltado sistema educacional cubano for uma fraude, não deveria ser um problema, diante da enorme quantidade de mão de obra qualificada, soma-se ainda a escassez de combustível, mesmo quando a nação submetida à ditadura castrista, sim, a família Castro é quem dá as cartas na ilha, mantém parcerias com grandes produtores de combustíveis fosseis, como a Venezuela e a Rússia.
Os que ainda insistem em defender o socialismo, ideologia que, junto aos seus pares, deveria ter sido abandonada em razão de todo o estrago que causaram no século passado, mas, que não ousarei chamar de fracassada, uma vez que, considero que foi criada para servir tão somente os lideres revolucionários, logo, no que diz respeito em subjugar os indivíduos à elite socialista, tal ideologia se provou um sucesso incontestável, espalhando a miséria e vendendo como recompensa uma utopia paradisíaca que, na realidade, é experimentada pelos senhores, restando aos vassalos, alimentados por migalhas ou mentiras, culpa uma força externa ao regime.
Tornar uma sociedade miserável é, sem dúvida, a melhor forma de domá-la, mas a miserabilidade não precisa ser necessariamente financeira, posto que, embora a falência economia seja um excelente método de aquebrantar um indivíduo ou sociedade, a degradação moral surtirá efeito ainda mais duradoura, de forma que, basta partir da seguinte premissa, fazer de uma pessoa ou grupo refém pela força fará com que busque meios de lutar contra a tirania, tão logo enxergue que limites foram ultrapassados, as pessoas levantar-se-ão contra o poder para lutar por liberdade, entretanto, se a prisão decorre de um estado de falência, será necessário se livrar da dependência econômica, haja vista que, não sendo prisioneiro da insegurança quanto às necessidades básicas, poderá o indivíduo buscar outras metas, o que, por vezes, o levará a reflexões mais profundas.
Um grupo de pessoas privadas do básico, como água, comida e saneamento, sequer sabem qual o seu destino na próxima alvorada, portanto, não se pode exigir que lutem por liberdade, de maneira que, os que foram massacrados pela fome nos regimes totalitários eram incapazes de perceber o quão doentio era o sistema além de sua privação. A lista de Stalin, que enviavam diversos presos políticos para os sistema Gulag, a propaganda mentirosa do comunismo ou outras violações não eram preocupação para os ucranianos durante o Holodomor, posto que, sobreviver era a única coisa que podiam buscar, contemplando tão somente algo que lhes matasse a fome.
Há um escalonamento em prática, de maneira bem simples, os líderes revolucionários mantém o controle sobre a sociedade por vias diversas, estando no primeiro e mais baixo nível os que estão sob o julgo da força, privados de se manifestar contra o regime pela imposição do medo, sujeitos ao castigo físico, como é o caso dos totalitários em seu ápice. Citar casos como campos de concentração ou reeducação, não há diferença real entra tais alcunhas dadas às prisões políticas de extermínio, as pessoas reféns do crime organizado nas favelas do Brasil, se é que tal prisão se limita às favelas no momento atual, bem como, toda a população de países como Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e outros tantos exemplos, nos remete diretamente ao controle pela força.
A imposição através da fome é constantemente usado como forma de enfraquecer uma sociedade ao ponto que, despidos do mínimo para a subsistência, não conseguirão, os indivíduos, reagir diante os desmandos e serão, facilmente, tomados pela força. Em um certo grau de miserabilidade, muitos são os indivíduos que aceitarão migalhas como pagamento o suficiente para açoitar seus pares, como jagunços a serviço de grandes tiranos, despidos de quaisquer valores morais , uma vez que, ao observarem o mundo que os cerca, consideram-se privilegiados diante da não privação do essencial.
O controle pela força ou pela miséria são, sem dúvidas, os mais difíceis de se resistir, considerando que o martírio enfrentado no processo de libertação será, por vezes, impossível de suportar. Extermínio, por vezes em massa, é um obstáculo que poucos poderiam suportar, mesmo por ser uma questão supraindividual, não sendo uma faculdade daquele que busca a liberdade sobreviver a uma agressão perpetrada pela tirania que o pretende escravizar, somando-se o fato de que um liberto poderá encorajar mais indivíduos a saírem da caverna.
Lutar contra um poder que é capaz de matar, aprisionar, torturar ou levar ao extremo uma situação de privação, pode ser um caminho sem volta e depende, sem dúvida de fatores externos, entretanto, não é tão fácil assim impor o poder por tais meios, tendo em vista que, o colapso no campo da miséria pode fazer com que parte considerável de uma sociedade se levante contra a tirana, sendo impossível controlar tal força, bem como, a fragmentação das tropas usadas para impor o controle pela força, em razão de parte de indivíduos divergir da elite central do poder ou, ainda mais grave, deixar se convencer que a luta para se livrar da tirania é o caminho certo, convertendo-se em uma força contrária à revolução.
Manter uma grande força que é capaz de compelir toda uma população pela força não é algo tão fácil, mesmo os ditadores mais cruéis enfrentavam dissidentes que poderiam formar resistência ou mesmo se aliarem a uma já existente. Não por acaso, grande parte dos líderes totalitários promoveu expurgos entre seus correligionários, o mais famosos talvez seja o de Trotsky, realizado com sucesso por seu comparsa Stalin, quando o segundo se sagrou vitoriosos na luta pelo poder na nada saudosa União Soviética.
O Comando Vermelho, grupo paramilitar revolucionário que nasceu sob a influência do pensamento socialista, implementando uma guerrilha narcossocialista que controla considerável área na região metropolitana fluminense, em que pese tenha se expandido e imposto o poder pela força, enfrentou o surgimento do Terceiro Comando, um grupo de dissidentes da própria guerrilha, e das denominadas milícias, conceito que abrange diversos grupos de caráter paramilitar. O Terceiro Comando se declarava como alternativa a sua facção embrionária, sendo uma força com características praticamente igual mas com pontos de divergência que sequer merecem consideração, em uma comparação simples, mas não tão rasa, como o nacional-socialismo (nazismo) se propõe como uma alternativa ao socialismo. De igual forma, poder-se-ia comparar as milícias às guerrilhas de menor porte que surgem como promessa de enfrentamento ao socialismo e acabam por se mostrar, como todo grupo revolucionário, uma alternativa tão somente aos líderes da revolução, escravizando aqueles que prometeu libertar para se tornar a tirania em substituição àquela que derrubara, algo muito comum nas guerrilhas socialistas no continente africano.
Por outro lado, impor o poder não só pela força e a miséria, mas pela propaganda ou pela fraqueza moral é, em uma meta de longo prazo, muito mais eficiente, uma vez que, escraviza os indivíduos por aquilo que consideram como sua própria vontade, ou seja, faz com que se acreditem livre e suas decisões são, de fato, suas. Para tanto é preciso contaminar os valores da sociedade, corroendo alicerces que outrora serviram como base para sua criação, manutenção e evolução. Não é uma coincidência que todos os movimentos revolucionários que se autodenominam progressistas ou minoritários têm como alvo em comum o cristianismo, em especial a Igreja Católica, justamente, base edificante da sociedade ocidental, haja vista que, a civilização que se pretende corroer tem como sustentáculo primordial o cristianismo, sendo todas as sociedades influenciadas direta ou indiretamente pela Igreja Católica, pois surgiram sob a flâmula do catolicismo ou do protestantismo.
A degradação moral está presente em todos os campos em que o progressismo consegue tocar, seja no discurso acadêmico, a política, no meio empresarial e cultural, buscando sempre usar de sua influencia, que inicialmente será mascarada como mera teoria da conspiração, para, ao ser exposta, apresentar-se como algo que não representa perigo algum ou está recheada de boas intenções. O simples fato dos progressistas esconderem suas ações ao máximo, deveria ser motivo suficiente para que o cidadão despreze tal prática atroz, ou, ao menos desconfie da real intenção de seus artífices.
Naturalmente, qualquer um gozando do mínimo de sanidade, o que inclui este articulista, busca compreender os motivos dos indivíduos ainda considerarem as narrativas dos revolucionários, mesmo após sua farsa desnuda ser constatada como mero instrumento para propagar as ordens de seus senhores. Há quem ainda se permita sugestionar por artistas que outrora manifestavam pânicos diante de queimadas e juravam maldição contra quem ocupava posição de poder e, segundo a claque, nada fazia para salvar o munda da destruição pelo fogo, mas hoje, procuram outro bode expiatório e ignoram solenemente o que acontece na região pela qual fizeram juras de amores. Na verdade, embora tenham uma grande relação com o público, construída através de suas performances artísticas, quando confrontados com uma base argumentativa que os expõem, grande parte dos famosos perdem prestígio junto aos fãs e, consequentemente, reduzem seu poder de persuasão face sua “vítimas”.
Por seu turno, a imprensa mainstream vem sofrendo uma crise em razão da perda de sua credibilidade, seja pela por sua flagrante parcialidade em relação aos fatos que atingem os interesses de seus mestres ou pela possibilidade de seu público-alvo buscar outras fontes de informação. O cartel de imprensa que já ousou se denominar consórcio quando, claramente, decidiu coordenar quais as informações poderiam ser levadas ao público e como seriam transmitidas, em especial, com que viés ideológico.
A imprensa mainstream acabou por se revelar, aos que ainda não conseguiam ver, como nada além de um meio de propaganda que determina a direção para a qual cada indivíduo deve olhar, deixando evidente que tem um compromisso, que não é com a verdade como insiste em dizer, mas com seus líderes ou patrocinadores, neste último caso, não apenas as empresas, mas regime de governo.
Embora o corte de luz em Cuba possa ser atribuído à crise energética, discurso que se repete a Venezuela, no país sul-americano, o apagão se agravou após o episódio em que a ditadura fingiu ter vencido uma eleição como forma de se declarar legítima, entretanto, o ditador Nicolás Maduro também suspendeu o funcionamento da rede social X, antigo Twitter, naquele país, alegando, o Conselho Nacional Eleitoral, órgão responsável pelo processo eleitoral questionado, que o dono da plataforma, Elon Musk, teria participação em um suposto ataque hacker com o fim de intervir nas, nada confiáveis, eleições. Por mais que pareça uma piada de mau gosto, o bloqueio da rede social cega grande parte do povo venezuelano em relação às notícias, deixando-o refém da emissora estatal do regime chavista.
Despudorada, como quem se vende pelas migalhas do regime, a VTV (Venezolana de Televisión) exibiu em sua programação o desenho do “Super Bigote” (Super Bigode), uma peça de propaganda socialista de péssimo gosto e baixa qualidade na qual o ditador se transforma em um super-herói e enfrenta o bilionário que ameaça a “democracia” venezuelana. De fato é patético observar, de longe do alcance de suas garras, o papel ridículo que o ditador se submete para se manter no poder, todavia, se analisarmos pelo prisma dos venezuelanos, em especial os que não gozam de acesso a outro meio de comunicação, podemos assumir que, sendo a única fonte de informação possível, a emissora estatal acaba sendo levada em consideração e suas versões, apresentadas sempre sem um contraponto, tratadas como verdadeiras.
Resta claro como, para o regime ditatorial que controla a imprensa, cegar a população em relação a qualquer outro meio de acesso a informação torna-se uma missão central, uma batalha de vida ou morte, pois, uma vez expostas suas mentiras, a crise de legitimidade se abaterá sobre a tirania, restando o uso demasiado da força para calar toda voz dissonante, o que, como um copo que transborda na mesa, não poderá ser ignorado.
Os bloqueios contra a rede X em outros países como Rússia, China, Cuba, Irã, Coreia do Norte e outros países totalitários têm o mesmo propósito, que é manter os cidadãos cegos, reféns da informação centralizada em meio que são, na melhor das hipóteses, parceiros dos regimes. Por outro lado, a imprensa tradicional, escolhida pelos tiranos como guia dos cegos, arrasta, sem o menor pudor, todos aqueles que a seguem ao precipício, pois, sua servidão em relação aos déspotas decorre do amor fraterno pela revolução ou das regalias que goza ao servir como jagunço.
Mesmo alegando ser a imprensa essencial à democracia, há meios que conspiram contra a liberdade de informação, relatando que o sistema da Starlink, outra empresa de Elon Musk, serve para burlar as regras de alguns países, todavia, quando se observa a matéria, nota-se de que tipo de regime a internet por satélite pode libertar as pessoas, em que pese, a empresa em si não seja a responsável pelo uso indevido, sendo resultado de manobras de grupos ou indivíduos. Além do mais, não seria prudente rechaçar o uso de uma tecnologia devido aos poucos casos em que se dá a ela destino diverso para o qual fora implementada.
Em verdade, ao impedir o acesso à internet em países sujeitos a regimes totalitários, impede-se que graves violações sejam denunciadas ao resto do mundo e que os cativos em determinadas nações tenham acesso livre à informação, incutindo narrativas como verdades ao passo que calam aqueles que argumentam em contrário.
Uma apresentadora da emissora GloboNews sugere em uma matéria que o bloqueio da rede X no Brasil pode ter como um dos fundamentos a não participação de usuários da rede no processo eleitoral dos municípios, uma suposição gravíssima que, por mas que tenha sido apresentada como tese de defesa da democracia e não proliferação de desinformação, supõe que a Suprema Corte usa de uma via transversa, portanto, não prevista em lei, para se imiscuir no processo eleitoral, por acreditar que usuários da rede X no Brasil, pode, de alguma forma, influenciar no resultado das eleições, logo, justificar-se-ia calar o grupo que não comunga da visão política da emissora e de determinado magistrado, uma vez que, as vozes dissonantes devem ser tratadas como antidemocrática e, por tal motivo, extirpadas do cenário político da democracia.
Sugerindo que o Judiciário pode sim, embora não possa assumir isso diretamente, calar os cidadãos de segunda classe que não seguem a cartilha da emissora e das forças autointituladas como democráticas, mesmo utilizando-se da censura, a apresentadora da GloboNews argumenta como uma medida válida que toda uma rede social seja mantida em suspenso ao menos até o pleito eleitoral, como outrora se permitiu a censura apenas à véspera das eleições. Certamente, o ditador venezuelano subscreveria a fala da jornalista.
Por derradeiro, podemos temer que um bloqueio à rede X significa que grande parte das pessoas poderá perder sua maior fonte de informação, o que não deveria ser comemorado por que defende a liberdade de imprensa, entretanto, na ausência da rede, seria normal que indivíduos migrassem para outra plataforma que pudesse permitir o acesso a fontes descentralizadas, contudo, o bloqueio de um sistema como a Starlink, além de danoso em razão de outros serviços que a internet dispõe, faz com que o cidadão, desprovido de meios de busca por informações, se torne refém das mentiras propagadas pelo cartel de imprensa, não podendo enxergar além das sombras da caverna.
A imprensa, como um cego que guia outros cegos, por ganância ou soberba caminha para a destruição, de forma que, cada um deve ter, ao menos, a oportunidade de se libertar de tamanha rede de mentiras, só assim não seguirá junto de seu guia rumo ao precipício.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 46 - ISSN 2764-3867
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