A concretude do real
Viver não é fácil. E quem disser que é, está mentindo. As nossas construções mentais esbarram, de foma prática e até impiedosa, nas limitações da realidade. Ao longo da vida, passamos inúmeras vezes por essa situação, que ocorre quando, como dizia Cazuza, “as ideias não correspondem aos fatos”.
No momento em que isso acontece, ou seja: quando nós idealizamos algo que não pode se concretizar, do modo que desejamos, surge uma escolha: a de qual reação teremos, diante do que se apresenta para nós. E é nesse exato momento que os maduros e os imaturos se distinguem.
O ser humano vive rodeado de paradoxos. Ele ama, mas não quer se entregar. Ele está sem dinheiro, mas sai e gasta o que não tem. Ele quer ser mais saudável, mas passou a noite na bebedeira. A contradição reside em nós, e a única forma de lidar com ela é encarando-a de frente.
Com base em tantos paradoxos, nós projetamos uma série de eventos mentais, os quais não tem condições de se materializar, por inúmeros motivos diferentes. Inclusive porque nós podemos ter feito tudo errado, apesar de termos desejado muito aquele resultado, que não ocorreu.
Contudo, o problema reside na nossa reação, quando as coisas não acontecem conforme imaginamos. O imaturo sempre reagirá de modo destemperado. Seja tomado por ira, soberba, orgulho, vaidade, vitimismo ou frustração, sua reação será sempre desequilibrada, como se a vida estivesse contra ele e o resultado fosse imerecido.
A pessoa madura, que desenvolve as suas virtudes, entretanto, reage de outro modo àquilo que lhe acontece de forma diversa da que aguardava. Ela simplesmente compreende que não pode controlar tudo. E que também teve sua parcela de participação naquele desdobramento.
Essa maturidade chegou-lhe, provavelmente, por meio do desenvolvimento de espiritualidade, religiosidade, gratidão e das virtudes cardeais da temperança, da prudência, da fortaleza e da justiça.
Logo, seus critérios do que seria justo ou merecido são mais elásticos, por compreender que as coisas são como devem ser, pois há algo superior a nós, que detém uma inteligência e uma sabedoria divina, as quais não dominamos.
Então você está apaixonado por alguém. Você faz mil planos, projeta um futuro maravilhoso, imagina muitas coisas com aquela pessoa. Porém, em uma atitude inesperada, ela se afasta de você, torna-se inacessível, não te responde mais, retrai-se.
Aquela amizade que você tinha em alta conta te decepciona. Faz algo inaceitável, trai a sua confiança, expõe você. É desleal. Isso te fere e faz sentir-se péssimo.
Você perde o emprego dos seus sonhos e cai de paraquedas no mercado de trabalho, já com mais idade e sem saber bem para que lado ir, sentindo-se completamente desamparado, desmotivado e inseguro, em relação ao seu futuro. Sobretudo porque seu chefe comunicou-lhe com frieza e zero empatia.
Existem duas atitudes possíveis, nessas circunstâncias e em muitas outras. Você pode ser tomado pela raiva, deixar uma mensagem malcriada, sair por aí difamando essa pessoa, queixando-se do modo com que foi tratado… ou você pode tentar compreender os motivos daquela atitude (deve existir pelo menos um).
Você pode ter um olhar generoso e acolhedor, colocando-se no lugar dela, compreendendo que pode não ser algo pessoal: ela pode estar atravessando um momento ruim.
Se foi justo, correto, adequado – dirão os afoitos e imaturos que não. Entretanto, nós não controlamos as situações e as reações, precisamos ter a exata dimensão da nossa pequenez e simplesmente compreender que há coisas que não podemos modificar.
Na concretude do real, vamos seguindo pela vida, percebendo com a maturidade, que nem tudo que projetamos pode realizar-se no mundo. E vamos nos humanizando. E nos tornando pessoas mais calmas. Comedidas. Equilibradas. Em uma busca sincera da verdade. Menos fofoqueiros. Menos maldosos. Mais amorosos. Menos raivosos.
Não pensem que é fácil. Passamos a vida ouvindo receitas e fórmulas prontas, sobre como devemos nos comportar, nas mais variadas situações. Aprendemos que “bateu, levou”. Revidamos para não parecermos idiotas, aos olhos dos outros.
Perdemo-nos na opinião alheia (aliás, como as pessoas tem opiniões sobre tudo o que não lhes diz respeito, mas não enxergam um palmo à frente, quando se trata de suas próprias vidas). O ser humano tem respostas para quase tudo que não lhe atinge.
Quando compreendemos que revidamos com agressividade, raiva, maledicência e histeria, porque somos imaturos e não sabemos dominar nosso complexo de inferioridade, nosso medo de rejeição e nossa preocupação com a opinião alheia, teremos caminhado muitos passos, rumo à maturidade e ao equilíbrio pessoal.
É utilizando essas oportunidades para o aprimoramento pessoal e a renovação da nossa fé em Deus e no que a nossa existência, certamente, nos reserva de bom, que vamos nos tornando pessoas melhores, mais sábias e evoluídas.
É nos momentos de frustração das expectativas, que distinguimos quem é quem. Adequar as expectativas aos reveses do caminho é a escolha mais acertada, sempre. Olhe para cima, faça uma prece e confie em Deus. Afinal, Ele conduziu-te e guiou-te até aqui!
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 43 - ISSN 2764-3867
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